Por Nelio Tombini, psiquiatra da Santa Casa de Porto Alegre
O governo federal divulgou que conseguiu cancelar 75% dos benefícios temporários e aposentadorias do INSS. Num primeiro momento ficamos pensando em uma aparente falcatrua diante do INSS e gostamos da notícia.
Atendo há 29 anos na Santa Casa de Porto Alegre pacientes do SUS com problemas psiquiátricos e, sempre que percebo a necessidade de fornecer atestado médico para que se afastem do trabalho, o faço. Alguns, devido a gravidade da doença mental foram aposentados pelos peritos do INSS.
Para minha surpresa tenho sido procurado por vários pacientes que estavam em média aposentados há 10 anos, pedindo novo atestado porque foram desaposentados. Prestem atenção. Foram chamados para uma nova perícia, levaram um atestado fornecido por um psiquiatra que atende SUS na Santa Casa. O relato destes pacientes é chocante. A avaliação do perito (que pode ser ortopedista) demora não mais que 10 minutos. É difícil para um perito avaliar a limitação de uma pessoa com doença mental, logo é fundamental o atestado do psiquiatra assistente. Nos casos em que fui procurado não houve consideração com o que eu afirmava no meu atestado. Também me sinto um falcatrua diante destas perícias, pois meus colegas partem do pressuposto que pode haver fraude no meu atestado. Não sei o que se passa na cabeça destes médicos peritos, talvez cumpram metas excluindo pessoas muito doentes da proteção do INSS. Quem sabe é um programa de computação que faz esta avaliação?
Os excluídos precisam buscar um advogado e entrar na justiça, terão custos e ficarão sem o ganho que os mantêm. Agora, na etapa jurídica, serão avaliados por um psiquiatra. Talvez recebam mais atenção.
Evidente que temos fraudes nos benefícios e faz bem o governo revê-los. Só não esqueçam que para ter havido fraude no passado, pode ter havido conivência de alguns peritos quando concederam o benefício ao segurado. Espero que o governo não queira recuperar seu déficit bilionário em cima dos aposentados. Gostaria que esses desaposentados se unissem e fizessem passeatas pela cidade. Claro que não farão, pois além de não terem saúde mental para estas mobilizações, sofrem do seu próprio preconceito com a doença mental que carregam.
Fonte: Zero Hora