Tudo parece se repetir com a melancolia de um velho relógio. O Congresso Nacional é o lugar onde o improvável se torna absolutamente necessário. Tudo se decide de acordo com os interesses mais imediatos. Em meu livro “Raízes do conservadorismo brasileiro: a abolição na imprensa e no imaginário social” resumi o mapa da correlação de forças da época: “O Nordeste foi a região que mais apoiou a abolição na medida em que se tornou menos dependente da mão de obra cativa. O Sudeste, a que mais lutou contra. Entre 1879 e 1881, dos 11 deputados que mais defendiam reformas contra o escravismo, dez eram do Norte e do Nordeste. Apenas um era de Minas Gerais”.
As províncias escravistas produtoras de café resistiam. As outras vendiam seus escravos em condições de trabalhar para o Sudeste e tornavam-se abolicionistas.
Esse quadro foi percebido por José do Patrocínio, que sintetizou: “O Norte, muito mais benévolo para o escravo, desfez-se da hedionda mercadoria quanto pôde (…) O sul, ambicioso, obstinado, aristocrático, bárbaro e cruel para o escravo, embriagado pelo jogo do café, foi comprando a fatal mercadoria a todo custo”. Foi aí que se criou um fundo para a emancipação. O resultado foi o superfaturamento: “Conseguia-se arbitrar preços exorbitantes para velhos escravos e, com os ganhos, comprar escravos jovens”. O Brasil parece nunca envelhecer.
Este trecho nos faz entrar na máquina do tempo e permanecer em 2017: “O deputado baiano Jerônymo Sodré, em 1879, chamou a Lei Rio Branco, que permitia manter escravizados até 21 anos de idade os nascidos livres, de ‘vergonhosa e mutilada’. Foi ele que, em 1879, relançou o debate no parlamento sobre a abolição. Essas afirmações condoreiras não assustavam os proprietários de escravos, mas calavam na opinião pública. As boas medidas, contudo, esbarravam em obstáculos sórdidos e triviais. O fundo de emancipação seria desviado para campanhas eleitorais.
Que tempos aqueles! Nunca se veria igual”.
O escravismo tinha a sua tropa de choque tão agressiva quanto as de agora: “O deputado paulista Martim Francisco Ribeiro de Andrade reagiria violentamente ao avanço da libertação da sua mão de obra compulsória. Se fosse preciso, berrou, que o país se dividisse. O sul deveria se manter escravista pelo bem dos negócios e da nação”. Eis: “Nós, os representantes das províncias do sul do Império, apreciamos a integridade deste vasto país, mas não tanto que, para conservá-la, queiramos tolerar a liquidação geral das fortunas e a destruição violenta da propriedade escrava…” O país não podia quebrar. As palavras mais usadas para defender a continuidade do escravismo eram responsabilidade, seriedade, compromisso com o país e bom senso.