Especialistas afirmam que há casos em que os segurados podem não escapar de devolver valores por meio de descontos no benefício
Leandro Rodrigues
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Quem recebe uma aposentadoria mais gorda graças à chamada desaposentação pode ter de devolver o que recebeu com a correção do benefício. Estão nesse grupo segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que foram à Justiça pedir a troca da aposentadoria – já aposentados, ainda trabalhando e contribuindo para a Previdência, solicitavam o direito de renunciar ao benefício para obter outro maior.
Como o INSS nunca reconheceu esse direito, houve uma enxurrada de ações na Justiça, mas a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contrária à desaposentação em 2016, todas as ações sobre o tema passaram a ser julgadas improcedentes. Acontece que houve processos em que a Justiça concedeu liminar mandando o INSS corrigir a aposentadoria de imediato, enquanto não saísse a decisão final – processos seguem correndo em todo o Brasil. Nesses casos, o governo federal já estaria pedindo a devolução da diferença paga. Segurados estariam recebendo cartas informando o valor a devolver por meio de desconto em folha.
Pode ser, para milhares de aposentados, o fim amargo do sonho de ganhar com a desaposentação. Em 2016, levantamento da Advocacia-Geral da União (AGU) identificou nos tribunais do país 182,1 mil ações judiciais sobre o tema – é o único levantamento e não foi detalhado por Estado. O possível desfecho não chega a surpreender especialistas.
– Era algo esperado. Isso porque a tese da desaposentação era frágil. Eu mesma, por agir de forma mais conservadora, não pedi em nenhuma das minhas ações o início do pagamento antecipado da correção. Segurados podem ter de devolver valores, sim – explica a advogada previdenciária e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Adriane Bramante.
Esperança está de volta ao Supremo Tribunal Federal
A advogada destaca que cada situação precisa ser analisada individualmente: quem está com o processo aberto deve procurar já o seu advogado. Nos casos em que o processo terminou (transitado em julgado), é possível respirar um pouco mais aliviado, principalmente se ele correu em um Juizado Especial Federal (JEF). No caso de ação na Justiça Federal, segundo a presidente do IBDP, existe a chance de o INSS ingressar com pedido de ressarcimento do que foi pago – até dois anos depois de perder a causa.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal não se manifestou ainda sobre a questão de devolver dinheiro recebido de boa-fé pelos segurados. Um recurso da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap) pede que o Supremo impeça o INSS de cobrar o que já foi para o bolso dos aposentados. Este julgamento ainda não tem data para ocorrer.
– Penso que eles (ministros do STF) terão o bom senso de não mandarem devolver esse dinheiro. Um aposentado que já ganha pouco vai devolver como? Mas havia, sim, o risco de acabar tendo de devolver. Por isso, o aposentado precisava ser bem orientado antes de entrar na Justiça – diz o presidente da Federação dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas do Estado (Fetapergs), José Pedro Kuhn.
Entenda a desaposentação e saiba o que pode acontecer
O que é a desaposentação?
A tese defendida por advogados previdenciários de que a pessoa já aposentada pelo INSS, que continuava a trabalhar e a contribuir para a Previdência Social, poderia renunciar ao benefício para obter outro de maior valor.
O INSS reconhecia o direito à desaposentação?
Nunca reconheceu o direito, o que provocou uma onda nacional de ações na Justiça. Em geral, eram procurados os Juizados Especiais Federais, que julgam causas até o limite de indenização de 60 salários mínimos (R$ 57.240).
O que acontecia com quem ganhava a ação?
O INSS era obrigado a corrigir a renda e pagar os atrasados dos últimos cinco anos, como determina a Justiça.
Quantas pessoas conseguiram a troca do benefício?
Não há dados sobre isso. Levantamento da Advocacia-Geral da União (AGU) em 2016 identificou que tramitavam nos tribunais do país 182,1 mil ações judiciais sobre desaposentação.
Quanto tempo o STF levou para decidir sobre a desaposentação?
O STF julgou a causa em 26 de outubro de 2016. A ação que serviu de referência aguardava julgamento havia seis anos.
O que aconteceu com as demais ações que pediam o mesmo direito?
Depois da decisão contrária do Supremo, todas as ações em instâncias inferiores da Justiça e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) passaram a ser julgadas improcedentes.
Todos os segurados que ganharam terão de devolver dinheiro ao INSS?
Não. Existe a permissão da cobrança de valores recebidos nos casos em que a Justiça concedeu liminar mandando o INSS corrigir a aposentadoria enquanto não houvesse decisão final. Para casos com decisão definitiva, o INSS teria de entrar com uma ação rescisória até dois anos após a sentença.
Como o INSS está fazendo essa cobrança?
Segurados estariam recebendo cartas informando o valor a devolver.
O segurado é cobrado a devolver tudo de uma vez? Pode parcelar?
Por lei, o instituto pode descontar até 30% da renda mensal para tentar não comprometer o sustento do aposentado e da família. Mas o desconto pode ser maior.
Na prática, o que significa perder a desaposentação e ainda ter de devolver valores?
Significa ver o INSS reduzir o benefício – volta ao valor antigo – e ainda sofrer o desconto de uma parcela da aposentadoria todo mês. Exemplo: um segurado ganhava R$ 2 mil e passou a receber R$ 2,9 mil, após ganhar a causa da desaposentação. O benefício volta a ser de R$ 2 mil, e o INSS ainda pode cobrar até 30% sobre essa quantia. O aposentado pode passar a receber até R$ 1,4 mil até quitar a dívida.
Existe contestação na Justiça para evitar a cobrança?
Um recurso já foi levado à Justiça pela Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap), pedindo ao STF que impeça o INSS de cobrar valores já pagos aos segurados. Mas ainda não há data para este julgamento.
Se a ação transitou em julgado, ainda é possível ter descontado percentual do benefício?
Se foi pela Justiça Federal, sim, é possível uma ação rescisória por parte da União que anula os efeitos da decisão anterior. Mas no caso de ações junto aos Juizados Especiais Federais (JEFs), a presidente do IBDP, Adriane Bramante, afirma que isso não ocorre pois a lei dos JEFs não permite ação rescisória.
O que os especialistas dizem sobre essa cobrança do INSS?
De acordo com advogados previdenciários, o INSS está se antecipando ao julgamento do STF que vai definir se os segurados em questão terão ou não de devolver valores pagos. De acordo com as regras atuais, sim, é possível haver essa cobrança. Esse era um dos desfechos possíveis das ações judiciais, e os segurados deveriam ter sido alertados pelos seus advogados. Mas há a expectativa de que, por ser um dinheiro usado no sustento da família recebido de boa-fé, o Supremo impeça a devolução ao INSS.
O que fazer em caso de notificação para devolução de valores?
Enquanto o STF não julga o pedido, a única forma de impedir a cobrança, se ocorrer, é via Justiça Federal. Para isso, é recomendável procurar o mesmo advogado ou associação que ingressou com a ação. Preventivamente, já se aconselha aos segurados com ações em andamento – ainda mais se recebendo valores de forma antecipada – que procurem seus advogados para tratar do assunto.
Fonte: Diario Gaúcho