Reforma da Previdência?
Por Dom Jaime Spengler
O governo federal está apresentando uma proposta de reforma da Previdência. O projeto estende o tempo de contribuição e torna mais seletiva a possibilidade de entrar no regime de aposentadoria. O tempo mínimo necessário para obter aposentadoria aumentará.
Tudo seria fácil se o Brasil não fosse marcado por uma enorme desigualdade na distribuição da renda e se o território nacional fosse homogêneo.
A reforma proposta não leva em conta que os benefícios previdenciários devem servir para distribuir e repartir as riquezas, fornecendo condições materiais de vida digna e inclusiva ao trabalhador e sua família. Isso, ao mesmo tempo, significa diminuição da violência, da injustiça, da exploração, da fome, das doenças, da ignorância etc.
A escolha da idade mínima de 65 anos vai deixar muitos trabalhadores de fora da proteção social. Tomamos como exemplo a situação de nossos pais, amigos ou vizinhos que sequer chegaram a essa idade, dos que estão desempregados ou dos que não possuem condições para continuar trabalhando pesado. Tomamos como exemplo a situação da mulher, que, muitas vezes, tem dupla jornada de trabalho, porque é quem cuida da casa e dos filhos. Tomamos como exemplo a situação do pequeno agricultor, que trabalha de sol a sol para garantir a subsistência de sua família, tendo a terra como única fonte de renda.
A ideia de que a justiça para o indivíduo pode ser conquistada através de esforço individual (algo como: cada um tem o que merece e pode fazer uma previdência privada) não garante um futuro de progresso, paz, liberdade e igualdade de oportunidades.
A proposta de reforma tem um custo destrutivo. Se ela for aprovada na redação original, ou seja, com a deliberada intenção de reduzir as chances de o trabalhador se aposentar e/ou de gozar (com saúde) sua aposentadoria e com a redução do valor de determinados benefícios, o amparo assistencial também não será capaz de amenizar a privação suportada por um idoso submetido à pobreza e teremos um incremento das desigualdades sociais. Mais do que isso, as mudanças propostas, se acompanhadas das mesmas políticas públicas ineficazes em outros setores, vai, em médio e longo prazo, ampliar o abismo de desigualdades entre classes e pessoas.
Há razões para se considerar que a reforma da Previdência, assim como está sendo apresentada, provocará um aumento da pobreza. Recorde-se que, no Brasil, inexistem políticas de proteção à vida e à saúde da pessoa idosa, e os demais direitos, como educação e moradia, são "privilégios" de poucos. Infelizmente, as pessoas são medidas muito mais pelo que têm do que pelo que são de fato.
Além disso, como afrontar a questão dos "direitos adquiridos", por meio dos quais alguns podem tudo, enquanto a grande maioria do povo que realmente trabalha e necessita da Previdência Social é tratada como número e material de descarte? Quem pode hoje manter uma previdência privada para si e para os seus? Quem pode manter um plano de saúde à altura das reais necessidades? Não são certamente os pequenos produtores rurais, os trabalhadores mais humildes e os que depois dos 60 anos dificilmente conseguem um lugar de trabalho.
Não se pode esquecer que o "trabalho não pode ser uma mera engrenagem no mecanismo perverso que esmaga recursos para obter lucros cada vez maiores; portanto, o trabalho não pode ser prolongado nem reduzido em função do lucro de poucos e de formas produtivas que sacrificam valores, relações e princípios" (Papa Francisco).
Fonte: Jornal do Comércio